Carta ao Pai - não o do Kafka... ;)


O texto a seguir foi escrito por uma filha, então grávida de 37 semanas, e enviado por e-mail a um pai preocupado com a opção dela pelo parto domiciliar.
Logo abaixo, a resposta do pai, após ler e elaborar as informações recebidas.

 “Pai,

sei muito bem da sua preocupação em relação às minhas escolhas sobre o parto que se aproxima e gostaria muito que você as compreendesse, ainda que não concorde totalmente. Mesmo sendo um momento em que eu gostaria de estar em paz e que, a essa altura do campeonato, já não esteja muito disposta a entrar em grandes embates sobre um assunto que pra mim já está mais do que amadurecido e consolidado.


Por isso escrevo este e-mail, meio longo, mas que acho que pode te mostrar um pouco mais sobre os motivos das minhas escolhas. Escolhas que podem parecer estranhas. Só porque não são as mais frequentes. Só porque vão contra o "convencional". E desde quando o convencional é o mais seguro? São escolhas que fazem todo sentido pra mim - e pra muita gente. Escolhas que são baseadas em convicções pessoais, sim, mas também - e principalmente - em evidências científicas, em muita informação, em muita reflexão.

Não quero "convencer" você nem ninguém de que minhas escolhas são as melhores e mais certas. Mas eu acharia legal que ao menos as pessoas mais próximas de mim tivessem clareza do que significa tudo isso, das minhas reais motivações ao escolher um parto natural, humanizado, domiciliar, e da importância que esse assunto tem, ou deveria ter. Por isso estou copiando neste e-mail também o marido - que compartilha comigo dessas escolhas-, a mamãe, meus irmãos e minhas cunhadas. São as pessoas que realmente me importam mais neste momento.

Um dia eu já pensei igual a "todo mundo" em relação ao parto. Quando não se conhece outra coisa, a gente acha que o que conhecemos tá bom, tá ok. Só que por várias razões, um pouco de sorte, de destino, de busca, a vida me levou a conhecer um outro lado. E depois disso eu não consegui mais fechar os olhos para algumas questões que percebi que acabamos engolindo por uma confiança cega em nosso sistema de saúde, como se não houvesse absurdos gritantes acontecendo. Não fui só eu que resolvi me rebelar, não. São questões que hoje estão sendo discutidas e questionadas no mundo inteiro, simultaneamente, num movimento aparentemente lento, mas muito forte.

Eu mesma engoli e deixei passar muitas coisas na gravidez e no nascimento da A., abrindo mão de me informar e de buscar um parto que tinha tudo pra acontecer naquele contexto e que me foi "roubado" por uma conduta médica que hoje posso julgar como sendo antiética, ou desatualizada, ou equivocada; questionável, no mínimo. Conduta que colocou a mim e à A. em risco três vezes maior do que se tivéssemos tido (ou ao menos tentado) um parto normal.

Posso dizer isso seguramente hoje, porque fui atrás da informação que me faltou na ocasião. E sei que fazer uma cesariana não era a indicação correta naquele momento. Não seria a conduta da minha médica de agora, por exemplo, e nem de vários outros médicos e profissionais comprometidos com o parto humanizado e que baseiam seu trabalho em evidências científicas.

Posso dizer que não é uma sensação nada boa saber que eu era uma grávida 100% saudável, carregando na barriga um bebê 100% saudável e que passei por uma cirurgia desnecessariamente, que minha filha poderia ter nascido naturalmente, ou que eu poderia ter ao menos tentado, esperado ela dar sinais de que estava pronta pra nascer. Mas enfim... fecha parêntesis.

Difundir uma cultura de parto mais respeitoso para mães e bebês é responsabilidade de todos que têm informação e poder de transformação. Não é responsabilidade só das mães, mas também dos pais apoiarem suas esposas, dos médicos se atualizarem, do governo incentivar e fazer campanhas, dos hospitais abrirem suas portas para essa possibilidade, dos convênios criarem condições para que isso aconteça.

Mas nada disso pode acontecer se não houver demanda. Quanto mais mulheres se informarem e exigirem um parto respeitoso, mais as demais partes buscarão se adequar. Somos agentes importantes neste movimento, já que somos as protagonistas da história toda. Somos nós que parimos, afinal!

Por essas e outras, dessa vez, desde o início da gravidez, eu sempre soube que minha escolha seria, antes de tudo, por um parto respeitoso, humanizado.

E o que é parto humanizado?

O parto no hospital pode ser humanizado. O parto em casa pode ser humanizado. Até uma cesariana pode ser humanizada, quando bem indicada. A humanização está na mulher como dona do seu parto. O parto é da mulher e o parto humanizado é um direito de todas as mulheres. É o parto em que a mulher e o bebê são tratados com respeito e as intervenções médicas só ocorrem se necessárias ou desejadas pela gestante.

É direito da mulher no parto:
• ser ouvida, ter suas dúvidas esclarecidas e poder se expressar, sem vergonha de chorar, gritar ou rir. Ninguém pode ignorar, maltratar ou mandar a mulher se calar.
• ficar livre para se movimentar, o que ajuda a aliviar a dor.
• ter um acompanhante, que pode ser quem ela quiser.
• usar roupas que não causem vergonha ou desconforto.
• recusar a lavagem intestinal e a raspagem de pelos, que são desnecessárias.
• receber alimentos leves e líquidos se sentir fome ou sede.
• não permitir que rompam a sua bolsa antes de ela arrebentar sozinha, porque isso pode aumentar as dores e contrações, fazer o bebê entrar em sofrimento e causar uma complicação gravíssima, chamada prolapso do cordão umbilical.
• só receber o soro para apressar o parto (indução com ocitocina) se for necessário, porque ele aumenta muito as dores e pode fazer o bebê entrar em sofrimento.
• só receber a anestesia se quiser e depois de ser informada sobre os riscos.
• recusar o corte da vagina (episiotomia). Às vezes o médico faz um corte quando precisa usar o fórceps, ou quando o bebê tem que nascer rápido. mas, se tudo estiver bem, esse corte não é necessário. Sete entre dez mulheres não laceram (não rasgam), e as que laceram normalmente têm ferimentos menores do que os do corte da episiotomia.
• parir na posição que achar mais confortável. a posição deitada com as pernas para cima dificulta a oxigenação (respiração) do bebê dentro da barriga, faz o parto demorar mais e leva a mulher a fazer mais força, aumentando as suas chances de lacerar.
• só fazer cesariana caso seja necessária, e depois de informada do motivo e dos riscos envolvidos. a cesariana feita sem motivo aumenta em três vezes a chance da mulher ou do bebê morrerem. Menos de 15 em cada 100 gestantes realmente precisam de cesariana. Antes de escolher um médico, a mulher precisa se informar se o percentual de cesarianas dele não está muito acima disso.

Depois de parir, se mãe e bebê estiverem saudáveis, é direito da mulher:
• ter contato físico imediato com seu bebê assim que ele nascer.
• exigir que esperem que o cordão pare de pulsar para cortá-lo, o que diminui as chances de o bebê ter anemia, além de ser mais confortável para ele.
• ficar com o bebê sempre junto do corpo, amamentando-o à vontade.
• recusar que ofereçam ao bebê água com açúcar, leite artificial, bicos, chupetas e mamadeiras, porque prejudicam a amamentação.
• receber orientações sobre a amamentação e suas vantagens.

Num parto hospitalar "convencional", a mulher e o recém-nascido são normalmente tratados assim:
http://www.youtube.com/watch?v=wUmL9V2z_aA. Nem todo mundo se horroriza ao ver imagens como essas. Muita gente pensa que não tem outro jeito, que é assim mesmo, que tudo isso é necessário, que esse é o "normal"...

Só que parir (e nascer) também pode ser assim (parto natural humanizado hospitalar 1):
http://www.youtube.com/watch?v=o1qUIs_msbk, assim (parto humanizado hospitalar 2): http://youtu.be/M26HRZcnQp4, assim (parto natural humanizado domiciliar): http://www.youtube.com/watch?v=qiof5vYkPws

Sabendo que um filho pode ser tratado com tanto amor e carinho, que ele pode nascer e ir direto para os braços da mãe e só sair de lá quando ela ou ele quiserem... como, em sã  consciência, alguém pode escolher que ele seja tratado da forma "padrão"?

Humanização não quer dizer que o parto tenha que ser em casa, sem anestesia, assim ou assado. Mas quer dizer que a gestante e a criança recebem um tratamento humano, digno, respeitoso.

E por que será que isso é tão raro?

Porque parir de forma humana toma tempo – de leito, de quarto, de médico... – e, na nossa cultura, tempo é dinheiro. Dinheiro que os planos de saúde e a saúde pública não estão dispostos a pagar. E muitos médicos, por não receberem o que merecem, passam a sentir-se no direito de repassar aos seus pacientes esse descaso.

Então, para apressar o parto foram banalizados procedimentos invasivos, perigosos e dolorosos como a episiotomia (o corte da vagina), a indução com ocitocina (o chamado "sorinho"), a manobra kristeller (sobem na barriga da mulher e pressionam o bebê para fora), e a amniotomia (rompimento artificial da bolsa). Todos estes procedimentos têm indicação em casos bem específicos, mas acabam sendo realizados indiscriminadamente, como rotina, mesmo quando não é preciso. E assim aumentam absurdamente os riscos do parto normal hospitalar. Muitas mulheres têm trauma, terror de parto normal, exibem até sequelas físicas (nelas e/ou em seus filhos) por conta desse tipo de coisa. Sem entender que o problema foi o tratamento equivocado que ela recebeu, a mulher parte do princípio de que o parto em si é algo horrível.

Além disso, deixar uma mulher livre para se movimentar, andar, fazer o que bem entender enquanto está em trabalho de parto, para parir na posição que quiser, não é prático para o hospital. É muito mais fácil lidar com todas as grávidas "deitadinhas", sob controle. E assim, o que é mais prático para o hospital, o que é melhor para o sistema, acaba se sobrepondo ao bem-estar da mulher naquele momento que é sem dúvida um dos mais importantes da sua vida. Nada mais desumano!

Quando o parto não é humanizado, o bebê é brutalmente recebido já ao sair da barriga (seja por onde for). Manejado como uma boneca de pano, ninguém espera que seu cordão pare de pulsar, e cortam-no logo que possível. Ele é levantado e mostrado para a mãe – de longe – como um pedaço de carne no açougue e levado para a mesa de "tortura", onde, sob uma luz fortíssima, ele será, sem mais cerimônias, e muito desnecessariamente, esfregado com fervor, aspirado com sondas enfiadas em seus orifícios (de cima e de baixo), medido, pesado e ainda agredido com um colírio fortíssimo, que arde e que só seria necessário se a mãe tivesse gonorreia.

Ninguém faz caso de seus berros desesperados. Ninguém se abala com seu terror. É como se, por ele não ser capaz de fazer qualquer outra coisa além de mover levemente a cabeça e balançar os braços e pernas – e, claro, chorar – seu sofrimento e medo não fossem reais. E não só são reais como são absolutos. Afinal, um recém-nascido não sabe de nada do que lhe acontece, não entende nada do que lhe é dito. Só o que ele entende é que ele saiu pronto para buscar o calor e o amor de sua mãe e, ao invés disso, encontrou violência e agressão. Mamar? Só depois. Primeiro o "check in" no berçário de última geração. A mãe só vê seu filho depois da visita do pediatra plantonista, o que pode levar até 6 horas. 6 horas de separação entre a mãe que acaba de parir e o filho que acaba de nascer.

Todos esses procedimentos, intervenções e condutas citadas acima são práticas obsoletas quando aplicadas "de rotina", em todas as mulheres e em todos os bebês. São práticas que em muitos países nunca foram sequer usadas. Ou então, já caíram em desuso há décadas! Mas os nossos hospitais e maternidades, tão modernos e maravilhosos, continuam praticando indiscriminadamente, através do comando de médicos muitas vezes super conceituados, mas que não estudam, não se atualizam, não seguem as evidências científicas mais recentes e continuam seguindo e reproduzindo protocolos ultrapassados que, por sua vez, são ensinados nas faculdades para os novos médicos, num ciclo assustador que por enquanto não sabemos quando será interrompido...

Ah, e não é mais seguro, ao contrário do que você supõe, ficar no hospital desde o início esperando a hora do bebê nascer, sabia? Aliás, o recomendado pelas equipes humanizadas é que a mulher fique em casa pelo maior tempo possível, acompanhada de seu marido e/ou de sua doula e/ou de sua obstetriz, e que só vá para o hospital com o trabalho de parto já bem adiantado. A ideia, no fim das contas, é: quanto menos tempo no hospital, melhor!

E a cesariana?

A cesariana é uma maravilha da ciência e pode salvar muitas vidas, quando necessária. Só que, se ela não é necessária, ela arrisca a vida da mãe e de seu filho três vezes mais do que o parto normal. Fora todos os outros riscos aumentados, de depressão pós-parto, de dificuldades ao amamentar, de sequelas físicas... Se a mulher, sabendo de tudo isso, ainda prefere a cesariana, o corpo é dela, o filho é dela, a escolha é dela.

O horror é ela ser levada a fazer uma cesariana sem saber dos riscos, ou sem saber que não precisava dela (como aconteceu comigo!). É ser pressionada a aceitar a cirurgia quando na verdade não a queria. E depois, não raro, ainda por cima tem que escutar que a escolha foi sua, quando na verdade não foi. Porque quando alguém diz a uma mulher que se ela não fizer a cesárea “o seu filho pode morrer”, não existe escolha real. Ela faz o que qualquer mãe faria, salva a vida do seu filho... Sem saber que ela nunca esteve em perigo. Muitos são os falsos argumentos utilizados para coagir mulheres a aceitarem cirurgias desnecessárias.

Como mulheres, somos criadas desde sempre sendo levadas a crer que parir é perigosíssimo, que nossos corpos não estão preparados para isso. e, sim, há casos em que a natureza precisa de uma ajudinha mesmo: mas esses casos não passam de 15%! No restante, o mais seguro é deixar a natureza agir. Parir é um ato fisiológico, natural do corpo da mulher.

Aí vão alguns links:

programa SBT Repórter sobre Parto Humanizado (muito bom!):
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http://youtu.be/4qAiAnXtcIc

documentário sobre parto humanizado:
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http://vimeo.com/8526305

Matéria sobre o documentário brasileiro “O Renascimento do Parto” (com
link para o trailer), que deve ser lançado em 2013:
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http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/vida-e-estilo/bem-estar/noticia/2012/07/documentario-que-mostra-a-realidade-obstetrica-do-pais-sera-lancado-no-segundo-semestre-de-2012-3820622.html

Uma reflexão sobre o medo do parto, inspirada pelo documentário Freedom For Birth:
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http://casamoara.com.br/parto-voce-tem-medo-de-que/

Sabendo de tudo isso, eu fui me cercando de ótimos profissionais que trabalham dentro da perspectiva humanizada. obstetras, obstetrizes, doulas, pediatras...

Tendo um pré-natal perfeito, com exames sem nenhuma alteração, e me informando ainda mais sobre todas as minhas opções, a conclusão foi a de que, se eu queria um parto natural e humanizado, eu poderia escolher entre duas coisas:

1) parto hospitalar no São Luiz (que é, por enquanto, o hospital de São Paulo mais preparado e adaptado para a assistência humanizada) com internação coberta pelo convênio e equipe toda particular (que é a única maneira, hoje, nas maternidades de São Paulo, de se ter um parto natural sem intervenções desnecessárias - nenhum médico de convênio tem como prioridade o parto normal. humanizado muito menos!). Nesta equipe particular estão incluídos médica obstetra, assistente obstetriz, anestesista se for necessário. E pediatra neonatal, muito importante porque é quem consegue garantir que o bebê fique com a mãe por pelo menos 2 horas ininterruptas após o parto (os pediatras do hospital têm como procedimento padrão cortar o cordão e pegar o bebê para exames imediatos, que poderiam ser todos feitos no colo da mãe). Também é ele quem garante que o bebê não vá sofrer os procedimentos de rotina desnecessários praticados pelos hospitais (com o pediatra particular por perto, só é feito o que for necessário e autorizado pelos pais). e é também o pediatra da equipe humanizada quem consegue diminuir ao máximo o tempo de separação entre mãe e bebê no momento em que a mãe vai é transferida da sala de parto para o quarto (ao invés de ficar 6 horas no berçário, o bebê só passa rapidamente para fazer uma espécie de admissão e depois já pode ficar em regime de alojamento conjunto, ou seja, passar o tempo todo no quarto da maternidade, junto dos pais, sem ir pro berçário).

ou

2) parto domiciliar, cujas equipes podem variar na composição, mas no meu caso seria com duas obstetrizes e uma pediatra neonatal. Esta opção tem todo o respaldo e apoio da minha médica, que foi quem, inclusive, me ajudou a conhecer melhor o assunto desde o início, me apresentou opções, sugeriu e discutiu possibilidades, tanto no caso do parto hospitalar quanto do parto domiciliar.

No começo da gravidez, eu estava bem inclinada a encarar o parto hospitalar e não pensava muito na opção do parto em casa. Mas com o tempo, depois de algumas leituras, reflexões e amadurecimentos, a vontade de um parto domiciliar planejado, seguro, confortável, foi ficando cada vez mais forte, até se tornar irreversível.

Ao contrário do que você pensa, não tem nada de rebeldia, de querer provar nenhuma tese pra ninguém. É uma escolha totalmente consciente, madura e racional, como eu já disse, baseada em informação e respaldada por ótimos profissionais.

Uma das leituras decisivas pra mim neste processo foi a do livro Parto com Amor:
http://www.partocomprazer.com.br/?page_id=2 que conta várias histórias reais de partos humanizados de diversos tipos (em casa, no hospital, em casas de parto), com relatos pessoais das mulheres, fotos lindas, muita informação e a palavra dos profissionais envolvidos. Acho que foi o livro mais legal que já li sobre parto. Quando terminei de ler, não fazia ideia de que ele tinha me causado tanto impacto. Mas sei depois de uns dias, eu não conseguia mais me imaginar parindo em outro lugar que não fosse na minha casa...

Importante: a decisão do parto em casa não exclui a do parto natural hospitalar, que continua existindo como segunda opção, o chamado "plano B". Isso significa que minha médica estará na retaguarda, ciente de todo o processo e a postos para qualquer necessidade de atendimento no hospital São Luiz. 10% dos partos domiciliares viram partos hospitalares. Na maior parte das vezes, a transferência é feita a pedido da gestante, por cansaço e/ou desejo de analgesia. em casos mais raros, a transferência se faz necessária por algum sinal de que o trabalho de parto não está seguindo como deveria: não-evolução de dilatação, diminuição de contrações, qualquer alteração nos batimentos cardíacos fetais, qualquer necessidade de intervenção...

O parto em casa - para mulheres de baixo risco, planejado, apoiado e assistido por uma equipe qualificada - não é menos seguro do que um parto normal hospitalar. E é muito mais seguro do que uma cesárea eletiva (sem indicação - como foi a minha no nascimento da A., por exemplo). E ainda aumenta as chances de uma experiência mais satisfatória e digna para a família. Leia-se: o oposto de traumático.

No hospital existem riscos muito maiores de infecção, de complicações causadas por intervenções desnecessárias, pelo nervosismo que algumas mulheres sentem quando expostas ao ambiente hospitalar, por mais humanizado que seja o atendimento. E no hospital também ocorrem complicações fatais que não são facilmente resolvidas só pelo fato de estar num hospital (a transferência de uma sala de parto natural para um centro cirúrgico e a mobilização de uma equipe completa também demanda tempo).

Uma observação importante: as piores complicações que podem acontecer em um parto são pouquíssimas, raríssimas, imprevisíveis e possivelmente fatais, estando a mulher em casa, na rua, no hospital, onde for. O restante das complicações é detectável ou no pré-natal ou durante o trabalho de parto e geralmente contornável estando a mulher em casa, na rua, no hospital, onde for.

E também é bom lembrar que não existe risco zero. Para nenhum tipo de parto. Nem para nada na vida.

Agora vem a parte mais científica:

Parto em casa não é uma escolha "underground", "outsider", clandestina. Não é rebeldia, coisa de hippie, nem irresponsabilidade. É uma opção baseada em evidências (ciência pura), pesquisadas e estudadas por profissionais qualificados da área de saúde no mundo todo.

A nova versão da revisão sistemática da Cochrane* -
http://medicalxpress.com/news/2012-09-birth-hospital.html – como vários outros estudos já haviam concluído, diz que o parto em si não é motivo pra ir para o hospital. E recomenda que todos os países considerem a criação de serviços de saúde pública adequados de parto domiciliar, e que forneçam informações às mulheres grávidas de baixo risco (o que quer dizer: com pré-natal impecável e sem nenhuma alteração nos resultados dos exames e nas consultas com obstetra e/ou obstetriz), para que elas possam fazer uma escolha informada.

(*a Biblioteca Cochrane - Cochrane Library - é uma base de dados virtual, disponível gratuitamente e está entre as melhores fontes de evidências científicas para a tomada de decisão em saúde. É mantida pela Colaboração Cochrane, organização internacional cujos objetivos são preparar, manter e assegurar o acesso a revisões sistemáticas sobre efeitos de intervenções na área de saúde. foi criada em 1993 no Reino Unido como uma empresa sem fins lucrativos.)

Aqui vão mais dois ótimos artigos sobre o parto domiciliar, escritos pela Dra. Melania Amorim, obstetra PhD:

- parto domiciliar: refletindo sobre paradigmas -
http://guiadobebe.uol.com.br/parto-domiciliar-refletindo-sobre-paradigmas/

- parto em casa é seguro -
http://guiadobebe.uol.com.br/parto-em-casa-e-seguro/

Aqui, a tradução de um artigo americano que questiona a falsa noção de que o parto hospitalar é mais seguro:
- o mito do parto hospitalar mais seguro para gestações de baixo risco
-
http://estudamelania.blogspot.com.br/2012/08/guest-post-o-mito-do-parto-hospitalar.html

E ainda, uma matéria do UOL, que ouve médicos contra e a favor do parto em casa:
-
http://mulher.uol.com.br/gravidez-e-filhos/noticias/redacao/2012/09/18/entenda-o-polemico-parto-domiciliar-e-veja-quem-pode-dar-a-luz-dessa-maneira.htm

Pai e família:
amo vocês e só por isso achei que valia a pena me dedicar a escrever este e-mail gigante pra compartilhar tudo isso. Ufa!

Sei que a leitura e a assimilação de tudo isso pode não ser fácil nem rápida, mas tenho certeza de que com algum esforço para digerir toda essa informação, ficará um pouco mais fácil compreenderem e se tranquilizarem perante as nossas escolhas que - repito - não são rebeldes, não são desafiadoras, não são irresponsáveis. Aliás, a grande certeza que eu tenho hoje é a de que infelizmente fui de fato irresponsável e imatura quando deixei de me informar e me responsabilizar pelas minhas escolhas na ocasião da minha primeira gravidez, permitindo que meu antigo médico tomasse as rédeas da situação e fizesse minha filha nascer antes do tempo dela.

Queria dizer também que estamos muito felizes, seguros, tranquilos com o caminho que percorremos até aqui e com o que ainda virá pela frente. Está tudo correndo absolutamente bem e não há nenhuma razão para preocupações.

Esperamos de verdade que vocês entendam, até para que possam aguardar com calma a chegada desse(a) novo(a) membro(a) da família, que vai nascer na hora dele(a), com todo respeito, acolhimento e segurança que merece.

Avisaremos vocês (e só vocês) quando o trabalho de parto estiver rolando (não temos nenhum sinal, ainda pode demorar semanas). E gostaríamos que o restante da família só ficasse sabendo depois que o bebê nascer e estiver tudo em ordem (seja aqui ou no hospital). Contamos com a colaboração de vocês para que esse plano se concretize e para que tudo corra da melhor maneira possível.

E fiquem tranquilos, por favor! Está tudo sob controle. Agora é só esperar.

Obrigada e beijos,
H."

A resposta:

"Filha,

Um dos três filmes estrelados por James Dean, que entre nós recebeu o nome de "Juventude Transviada", chamava-se, no original, "Rebels without a cause". Fico felicíssimo por constatar que, no caso, a sua rebeldia (que achei que era juvenil e extemporânea) tem sim uma causa, e uma causa nobre: a militância consciente e consequente em torno do parto humanizado. Mais do que feliz, fico muito orgulhoso. E a sua mãe com certeza há de estar orgulhosa também. Afinal – ela, até bem mais do que eu – pode chegar a esta altura da vida e constatar que gerou e criou três filhos capazes de pensar pela própria cabeça, de questionar, de firmar convicções e de lutar por elas. Filhos assim dão mais trabalho, dão sustos de vez em quando, mas, em compensação, dão também muita satisfação.

Digo isso porque dediquei boa parte do dia de hoje a ler várias vezes o seu "e-mail gigante" e a entrar em todos os links, lendo ou assistindo as matérias com as quais você enriqueceu e sustentou a sua linha de argumentação. Sinceramente, eu não tinha ideia da abrangência do tema e não podia imaginar que você tivesse se aprofundado tanto no exame dele. Você respondeu, ainda que indiretamente (mas da melhor maneira possível), as minhas dúvidas quanto à motivação de sua decisão e quanto aos valores que você está defendendo ao tomá-la. Portanto, sou obrigado a retirar e a engolir todas as referências a uma possível "porralouquice" da sua parte. Isso não garante que você tenha razão, mas me tranquiliza ao constatar que, na pior das hipóteses, há sentido e método nessa aparente doidice.

Você contará sempre comigo e com a sua mãe, no que estiver ao nosso alcance, mesmo quando o caminho que você escolher for diferente daquele que nós escolheríamos. Se isso já era verdade antes, muito mais agora, quando tomamos conhecimento do amadurecimento e da profundidade do seu posicionamento. Parabéns pela coragem!

Beijos. Força. Boa sorte!


Seu pai."

Comentários

  1. Sem palavras, estou completamente emocionada, que lição de vida e amor..... Obrigada por compartilhar tudo isso....

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  2. Achei muito emocionante a resposta do pai!

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  3. Vânia Cristina17/01/2013, 19:59

    Uau! Emocionante! Me lembrei de uma longa conversa q tive com meus pais sobre a minha decisão pelo parto natural hospitalar...No final de tudo, depois de 18h30 de TP o Miguel nasceu. E meus pais estavam lá para nos receber! :)

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  4. Parabéns! Seu pai terá o triplo de orgulho das escolhas que os netos dele farão! ;)

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  5. Realmente emocionante... e uma aula de argumentacao... e de Parto Humanizado! Obrigada por compartilhar!

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